domingo, 20 de janeiro de 2013

Bolsa de Valores são invadidas por softwares que funcionam como "robôs"

Nem Hollywood foi capaz de prever o que acontece hoje no mercado financeiro: softwares que funcionam como robôs brigam por milionésimos de segundos e decidem sozinhos se uma ação deve ser comprada ou vendida. Bem longe da ficção científica, programas de computadores que operam em altíssima velocidade negociam no Brasil cifras que ultrapassam R$ 1,5 bilhão por dia [ vale ler essa interessante matéria de Gabi Valente].

Fazem o papel dos antigos e estressados corretores da Bolsa de Valores e são programados para analisar vários dados, essenciais para a tomada de decisão, entre eles as notícias em tempo real. E nessa guerra bilionária e virtual, vale tudo: até colocar o servidor da corretora num endereço próximo à Bovespa para a informação chegar mais rápido aos clientes.

— Não é ficção científica, é realidade — brinca Marcos Elias, engenheiro, matemático e fundador da Touring, que desenvolve sistemas de negociação. — É um negócio perigoso, mas é a mesma coisa que discutir os problemas de trânsito num país onde não circulem carros. O trânsito é perigoso, mas não significa que seja melhor sem os carros.

Com a expansão do mercado, várias corretoras e até bancos correm para oferecer esse tipo de serviço de negociação automatizada em algoritmos. Nessa história, quem ganha é o cliente: paga menos quando compra mais rápido e ganha mais quando vende antes de o preço cair. E todos tentam tirar mercado da Link Corretora. Líder desse tipo de transação no Brasil, essa corretora montou seu servidor num endereço ao lado da BM&FBovespa.

O cotidiano das agências de notícias, cruciais para alimentar as máquinas com números, também mudou. Em vez de um, três ou quatro repórteres participam das divulgações econômicas para passar a maior quantidade de informações o mais rapidamente possível e alimentar os softwares que funcionam como robôs.

No Banco Central e no Ministério da Fazenda é assim. Os jornalistas se estapeiam pelos papéis com os dados da economia. Para colocar ordem nas divulgações, foi criado um método: cada repórter recebe um calhamaço. Depois de uma contagem regressiva e de um “já”, todos são autorizados a passar os dados por telefone. Ganha quem entregar o número mais cedo.

Três grandes agências dominam esse mercado: Reuters, Bloomberg e Broadcast. A CMA também compete por milissegundos. As principais pagam por um serviço de medição do “microtempo” em que uma agência publica sua notícia antes da concorrente. Nesse caso, o ditado “tempo é dinheiro” é mais que adequado. E ser mais rápido significa ampliar a clientela.

Um laptop, dois celulares e três chips

Nessa guerra, percalços — como ficar sem bateria no celular — são imperdoáveis. Já os exageros são justificáveis. Repórteres circulam com um laptop e dois celulares (um com três chips e o outro, um BlackBerry). Para garantir, é preciso levar uma plaquinha sobressalente para conectar o computador à internet.

— Mudou apenas a velocidade, porque antes os corretores faziam exatamente a mesma coisa: analisar as notícias e fechar negócios — afirmou um economista de uma corretora especializada nesse serviço, que pediu anonimato.

Mas nem tudo são lucros. Após um bug no sistema da corretora americana Knight Capital, que em agosto do ano passado gerou um prejuízo de US$ 440 milhões em apenas 45 minutos, alguns países, como a Alemanha, tomaram medidas para limitar a atuação desses robôs. No caso da Knight Capital, o robô ordenou a compra descontrolada de milhões de ações. O preço dos papéis subiu demais, e o resultado foi prejuízo na venda.

Elias, da Touring, diz que testes são feitos rotineiramente nos softwares que funcionam como robôs, e com isso se conseguiu identificar uma falha que poderia ter causado um prejuízo milionário em um minuto. Ele identificou que um dos seus robôs, que tem inteligência artificial, poderia se esquivar de uma ordem do “grande robô mestre”. O sistema principal controla o risco geral dos negócios e é capaz de desligar os robôs que estão abaixo dele.

Para construir programas tão sofisticados, ele selecionou sua equipe a dedo. Uma das mentes que pensaram as inovações da Touring, Telmo Luis Correa Júnior já tinha três graduações do Massachusetts Institute of Technology (MIT) aos 20 anos.

Na rotina das agências de notícias, a rapidez tornou-se o principal ativo dos profissionais. Numa recente tumultuada entrevista da presidente Dilma Rousseff, uma repórter grávida sentiu os efeitos do trabalho em tempo real. Sua barriga foi prensada pelos colegas que queriam deixar os telefones celulares mais próximos à presidente. O resultado foi uma forte dor na barriga e muitas lágrimas. Quando o serviço de emergência da Presidência da República chegou para levá-la até a ambulância, ela disse: “Espera moço, que eu tenho de passar primeiro as headlines (os trechos mais importantes) da fala da Dilma”.

Para garantir o bom relacionamento com os colegas, os jornalistas desenvolveram códigos de conduta. Um deles é o embargo, ou seja, ninguém passa informação até o fim da entrevista. Quem quebra o pacto pode até ganhar um elogio do chefe, mas colhe o ódio dos companheiros e da própria fonte das informações.

Com essa velocidade, muita notícia chega truncada. Por isso, é tão importante a correção imediata, para o robô mandar desfazer o negócio feito antes: se vendeu, solta uma ordem de compra e vice-versa.

Fonte: O Globo