segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Comissão Europeia quer limitar #fakenews



A Comissão Europeia (CE) quer travar a propagação de notícias falsas através de plataformas digitais e apresentar os primeiros resultados desse trabalho já em 2018. A elaboração de uma estratégia europeia contra as fake news – que a UE define como “desinformação intencional difundida através de plataformas online, meios de comunicação audiovisual ou imprensa tradicional” – conta com a colaboração de um grupo de peritos e com uma consulta pública em que a Associação Portuguesa de Imprensa vai participar. A eurodeputada portuguesa Ana Gomes concorda com a premência do combate, mas alerta: avançar pela via legislativa na liberdade de expressão ou de informação pode colocar a CE num terreno perigosamente confuso e próximo da censura.

Após ter decidido criar um grupo de peritos de alto nível para a apoiar no combate à desinformação online, a CE está a convidar especialistas a candidatarem-se para integrar este grupo. “Na medida do possível, deve incluir vários representantes de cada área de especialidade, sejam académicos, dos media, das plataformas online ou da sociedade civil”, diz ao Expresso Nathalie Vandystadt, porta-voz da CE para o Mercado Único Digital.

O objetivo deste grupo é ajudar o Executivo europeu — e, concretamente, a comissária para a Economia e Sociedade Digital, Mariya Gabriel — a delimitar o fenómeno, a definir os papéis e responsabilidades dos diferentes intervenientes, a compreender a sua dimensão internacional, a fazer um balanço das diferentes posições e a formular recomendações. Os especialistas deverão iniciar os trabalhos em janeiro de 2018 e os contributos para a consulta pública (com o objetivo de definir a dimensão do problema, avaliar as medidas já tomadas por vários atores e recolher ideias para ações futuras) podem ser enviados até fevereiro. Cidadãos, redes sociais, órgãos de comunicação social, associações, investigadores e autoridades públicas são chamados a contribuir.

Como regular sem censurar?

A APImprensa vai participar neste processo, à semelhança do que já tem feito “em todos os movimentos internacionais relacionados com a questão das fake news”. Incluindo, recorda o presidente João Palmeiro, “uma recomendação de associações americanas de que o tema não deve ser tratado fora do âmbito deontológico do jornalismo”. Palmeiro aplaude a iniciativa da CE mas recorda também que esta “não tem competência, de acordo com os tratados constitutivos da União Europeia (UE), em matérias de liberdade de imprensa e de expressão”. A não ser “invocando a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.

A eurodeputada Ana Gomes reconhece que as fake news têm sido “um tema muito presente” no Parlamento Europeu e discutido em todas as suas vertentes. “É uma questão transversal e que abrange preocupações em várias comissões, desde a das liberdades cívicas e justiça, até às de segurança e defesa”, exemplifica, constatando que o problema se fixou na agenda europeia “depois das interferências externas que se registaram em eleições como as dos EUA ou França”.

Mas embora considere inevitável que Bruxelas avance com estratégias concretas para combater o impacto das notícias falsas na qualidade da democracia, Ana Gomes também tem dúvidas sobre se o resultado final desses trabalhos na CE e no Parlamento Europeu deve “seguir a via legislativa”. “Isso levanta várias questões”, diz, dando como exemplo o provável “agitar da bandeira da censura” se Bruxelas enveredar por uma diretiva em matéria de liberdade de expressão.

Acresce a isso que as notícias falsas não são propriamente novidade. “Sempre existiram notícias falsas ou manipuladas nos media. Quando em Portugal temos agências que promovem Isabel dos Santos como empresária e ela é citada nos media como tal, isso é fake news. Mas com as novas tecnologias a manipulação de informação é mais rápida e massificada”, aponta. Daí a urgência, diz, de “chamar também as grandes plataformas digitais” a responsabilizarem-se pelo que difundem e a encontrarem mecanismos internos que “salvaguardem o cumprimento de regras”.

Responsabilidade partilhada

A tentativa de um Estado ou governo instrumentalizar as notícias a seu favor é antiga. Mas com as novas tecnologias as notícias falsas “conseguem difundir-se tão rapidamente e de forma tão abrangente que se tornaram uma ameaça à democracia”, realça o jornalista Walter Dean, diretor pedagógico do Committee of Concerned Journalists, referindo o exemplo da Rússia e da campanha presidencial de Donald Trump. É esta também a visão em Bruxelas que quer, por isso, colocar as tecnológicas e as redes sociais a olhar para o problema e a procurar soluções. Para Nathalie Vandystad, estes são “atores centrais na luta contra as fake news” e, por isso, “devem ser responsáveis pela criação de um ecossistema online justo”.

Questionados sobre de que forma se vão envolver na iniciativa europeia, o Facebook e a Google não respondem. A última limita-se a reencaminhar para artigos no blogue da empresa, onde se veem os passos dados para “ajudar as pessoas a perceberem o que estão a ler”. 

Além de colocar etiquetas nas histórias (opinião, local, etc.), de ter uma opção de fact check e mais informação sobre os criadores de conteúdos, a tecnológica anunciou em novembro a participação no The Trust Project, da Universidade de Santa Clara (EUA), que junta órgãos de comunicação social e gigantes tecnológicos para criar formas mais transparentes de apresentar os conteúdos às pessoas (ver texto ao lado). Ou seja, as tecnológicas começam a perceber que não se podem colocar à margem deste combate. Porque não são apenas os produtores de conteúdos que têm responsabilidade, mas também quem os propaga, lhes dá força (por exemplo, uma empresa que paga para ter publicidade num site que contém notícias falsas) ou quem as lê e acredita nelas. Por isso, Walter Dean defende que o combate começa na Educação e na literacia para os media.

 “Iniciativas para ajudar os cidadãos a tomarem consciência das fake news, identificá-las e reportá-las estão surgir globalmente, muitas vezes por parte da indústria dos media”, reforça Vandystad. Em Portugal, o Governo assinou recentemente um protocolo com o Cenjor para dar formação aos órgãos de comunicação social locais e regionais e promover a literacia mediática.

Mas a UE acredita que uma visão comum é essencial. “Além de leis nacionais, precisamos de uma abordagem europeia para garantir coerência na forma de lidar com as fake news”, aponta a porta-voz da Comissão. Mas não adianta se o objetivo é legislar ou regular (à semelhança do que foi feito com os conteúdos, ilegais, que incitam à violência, ódio, terrorismo ou difamação), realçando apenas que nesta fase a UE está, “não num momento de ação, mas de reflexão”.

Fonte: Expresso 

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