terça-feira, 5 de maio de 2015

A Era das Notificações e a Sanidade

Quando boto meus fones, o burburinho do metrô vira um oásis de calmaria. Essa é a forma como a tecnologia sempre fez sentido para mim: não como uma barreira entre meu ser e o mundo, e sim como um amortecedor, uma fuga temporária. Hoje a maioria da tecnologia móvel é vista de forma inversa. Para muitos de nós, as telas brilhantes dos smartphones são feitas para distrair. Servem como excesso escapista, uma forma de alimentar a introspecção. 


Mas agora, com o lançamento do AppleWatch — um objeto preso ao pulso para informar coisas —, acredito que estamos prestes a entrar em uma nova era de distração e de comportamento antissocial. O intelectual Michael Bull já falou disso antes – não sobre o Apple Watch, mas sobre como o iPod e o Walkman mudaram nossa forma de interagir uns com os outros. Ele sugeriu que o áudio individual, via fones de ouvido, permite criarmos “bolhas auditórias” que nos separam do ambiente e fomentam o comportamento antissocial. 

Pouco tempo atrás, John Hermann, do The Awl, previu que o Apple Watch será bem-sucedido não por causa de seus aplicativos ou características bacanas, mas por “criar novos mundos de isolamento para quem os utilizar”. A teoria até que faz sentido, mas acadêmicos como Nick Prior apontam que o fenômeno não é tão simples assim. Prior relatou que os usuários de iPod e Walkman usavam as tais bolhas auditórias de forma estratégica, usando a música não só como uma espécie de trilha para a monotonia da cidade, mas também como uma maneira de se livrar do barulho, da distração e do restante da massa humana. Em outras palavras, afirma Prior, não é a tecnologia que separa as pessoas; na verdade, ela nos dá controle sobre as novas condições do urbanismo. Um par de fones de fato ajudou as pessoas a burlar o excesso de interação social das cidades modernas.

Independentemente disso, teve gente que começou a se preocupar que o Apple Watch fosse capaz de amplificar o pior da era digital da distração. A Era das Notificações, no fim das contas, chegou pra ficar: cada serviço e aplicativo, do email às incontáveis redes sociais, nos bombardeiam com notificações a cada minuto. O fluxo incessante é o padrão.
Mas fico pensando: e se o Apple Watch oferecer uma pausa estratégica às condições da Era das Notificações?  No The Atlantic, Ian Bogost sugere que o Watch é uma espécie de graxa para as rodas da máquina capitalista: a Apple fabrica bilhões de telas, que se acendem com notificações do Facebook, Twitter e organizações de notícias – possivelmente com rumores sobre o próximo iPhone. É um ciclo vicioso de tecnologia e informação digitais, e o Watch só intensifica a circularidade de tudo, colocando-nos em ciclos cada vez mais apertados de consumo em que a tecnologia gera informações que precisam de... mais tecnologia. É verdade até o momento que o relógio inteligente, e em especial o Apple Watch, parecem feitos para ampliar o absurdo da situação em vez de resolvê-la. Em sua resenha do dispositivo, Joshua Topolsky, da Bloomberg, reclamou que seu pulso vivia emitindo barulhos, alertas vibratórios e notificações. Mas controlar quais bipes você permite é algo muito mais simples do que Topolsky dá a entender. 

Você pode desligá-los.
De certa forma, a reclamação de Topolsky é como dirigir um carro de janelas abertas e, ao avaliar a experiência, reclamar que está ventando demais. O Apple Watch talvez permita alertas sem limites, mas também possibilita pouquíssima intrusão em relação a um smartphone ao deixar algumas das notificações apenas no celular e sem desligá-las por completo. O Watch, então, pode agir como filtro. Ele diferencia uma mensagem da sua namorada ou um email do seu chefe de um alerta de um aplicativo fitness, separando mental e fisicamente o importante e o supérfluo.

É possível também que nenhuma notificação seja o ideal. Como o próprio cenário urbano, a tecnologia sempre é ambivalente; sempre boa e ruim. O Walkman e o iPod podiam ser usados para fins diferentes: para evitar pessoas e também para controlar a experiência urbana. Do mesmo modo, se abandonássemos as notificações, talvez também desistíssemos de um mundo de descobertas, conexões e informações. Esse é o trato digital que caiu no nosso colo. Na ausência de uma revolução global em que invadiremos os escritórios do Facebook e desligaremos seus servidores, um filtro de notificações parece ser uma solução melhor do que não ter nenhuma.

O que precisamos é de uma tecnologia que possa ser usada para reduzir o desejo – e o Watch não é um mau começo. O que o relógio da Apple oferece, acima de tudo, é restrição: no tamanho da tela, na duração de bateria, nas funcionalidades. É uma tecnologia que permite uma pessoa minimizar a Era das Notificações – ao desligar os alertas ou personalizá-los de forma que soem apenas por meio de ligações importantes. O relógio pode armar barreiras entre você e as notificações; entre você e o smartphone; entre você e a Era da Distração.

Com certeza há um elemento de "solucionismo" aqui – aquele termo usado por Evgeny Morozov para se referir à busca de uma solução tecnológica quando talvez ela não seja necessária. Mas o que o exemplo do Walkman e iPod sugere é que a tecnologia não corrompe um estado ideal, arruinando, por exemplo, a calmaria da ida ao trabalho com fones de ouvido; ele dá a entender que a tecnologia muitas vezes é uma reação a uma série de circunstâncias que a própria tecnologia criou.
É possível, então, que um relógio inteligente ofereça algum controle sobre nossas notificações a fim de torná-las úteis novamente? O Apple Watch talvez não seja esse aparelho. Talvez ele seja mágico demais – ele tem aquele DNA da Apple que nos induz ao uso compulsivo – para funcionar como uma maneira de controlar o desejo de distração. Mas talvez o conceito do relógio inteligente faça isso no futuro: dentro da limitação de sua tela, no espaço entre o pulso e o bolso, possamos encontrar uma barreira entre nós mesmos e um mundo feito para nos distrair incessantemente.




Fonte: Motherboard
Tradução: Thiago “Índio” Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário