Quando boto meus fones, o burburinho
do metrô vira um oásis de calmaria. Essa é a forma como a tecnologia sempre fez
sentido para mim: não como uma barreira entre meu ser e o mundo, e sim como um
amortecedor, uma fuga temporária. Hoje a maioria da tecnologia móvel é
vista de forma inversa. Para muitos de nós, as telas brilhantes dos smartphones
são feitas para distrair. Servem como excesso escapista, uma forma de alimentar
a introspecção.
Independentemente disso, teve gente
que começou a se preocupar que o Apple Watch fosse capaz de amplificar o pior
da era digital da distração. A Era das Notificações, no fim das contas, chegou
pra ficar: cada serviço e aplicativo, do email às incontáveis redes sociais, nos
bombardeiam com notificações a cada minuto. O fluxo incessante é o padrão.
Mas fico pensando: e se o Apple
Watch oferecer uma pausa estratégica às condições da Era das
Notificações? No The Atlantic, Ian Bogost sugere que o Watch é uma espécie de
graxa para as rodas da máquina capitalista: a Apple fabrica bilhões de telas,
que se acendem com notificações do Facebook, Twitter e organizações de notícias
– possivelmente com rumores sobre o próximo iPhone. É um ciclo vicioso de
tecnologia e informação digitais, e o Watch só intensifica a circularidade de
tudo, colocando-nos em ciclos cada vez mais apertados de consumo em que a
tecnologia gera informações que precisam de... mais tecnologia. É verdade até o momento que o
relógio inteligente, e em especial o Apple Watch, parecem feitos para ampliar o
absurdo da situação em vez de resolvê-la. Em sua resenha do dispositivo, Joshua Topolsky, da Bloomberg, reclamou que seu pulso vivia emitindo barulhos,
alertas vibratórios e notificações. Mas controlar quais bipes você permite é
algo muito mais simples do que Topolsky dá a entender.
Você pode desligá-los.
De certa forma, a reclamação de
Topolsky é como dirigir um carro de janelas abertas e, ao avaliar a
experiência, reclamar que está ventando demais. O Apple Watch talvez permita
alertas sem limites, mas também possibilita pouquíssima intrusão em relação a
um smartphone ao deixar algumas das notificações apenas no celular e sem
desligá-las por completo. O Watch, então, pode agir como filtro. Ele
diferencia uma mensagem da sua namorada ou um email do seu chefe de um alerta
de um aplicativo fitness, separando mental e fisicamente o importante e o supérfluo.
É possível também que nenhuma notificação seja o ideal. Como o
próprio cenário urbano, a tecnologia sempre é ambivalente; sempre boa e ruim. O
Walkman e o iPod podiam ser usados para fins diferentes: para evitar pessoas e
também para controlar a experiência urbana. Do mesmo modo, se abandonássemos as
notificações, talvez também desistíssemos de um mundo de descobertas, conexões
e informações. Esse é o trato digital que caiu no nosso colo. Na ausência de
uma revolução global em que invadiremos os escritórios do Facebook e
desligaremos seus servidores, um filtro de notificações parece ser uma solução
melhor do que não ter nenhuma.
O
que precisamos é de uma tecnologia
que possa ser usada para reduzir o desejo – e o Watch não é um mau
começo. O que o relógio da Apple oferece, acima de
tudo, é restrição: no tamanho da tela, na duração de bateria, nas
funcionalidades. É uma tecnologia que permite uma pessoa minimizar a Era
das Notificações – ao desligar os alertas ou
personalizá-los de forma que soem apenas por meio de ligações
importantes. O relógio pode armar barreiras entre você e as
notificações; entre você e o
smartphone; entre você e a Era da Distração.
Com certeza há um elemento de
"solucionismo" aqui – aquele termo usado por Evgeny Morozov para se
referir à busca de uma solução tecnológica quando talvez ela não seja necessária.
Mas o que o exemplo do Walkman e iPod sugere é que a tecnologia não corrompe um
estado ideal, arruinando, por exemplo, a calmaria da ida ao trabalho com fones
de ouvido; ele dá a entender que a tecnologia muitas vezes é uma reação a uma
série de circunstâncias que a própria tecnologia criou.
É possível, então, que um relógio
inteligente ofereça algum controle sobre nossas notificações a fim de torná-las
úteis novamente? O Apple Watch talvez não seja esse aparelho. Talvez ele seja mágico demais
– ele tem aquele DNA da
Apple que nos induz ao uso compulsivo – para funcionar como uma maneira
de
controlar o desejo de distração. Mas talvez o conceito do relógio
inteligente faça isso no futuro: dentro da limitação de sua tela, no
espaço entre o pulso e o bolso, possamos encontrar uma barreira entre
nós mesmos
e um mundo feito para nos distrair incessantemente.Fonte: Motherboard
Tradução: Thiago “Índio” Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário