segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Cérebro esta sendo alterado pela tecnologia do século XXI

Presente mais cobiçado dos brasileiros neste Natal, os smartphones, com suas telas sensíveis ao toque, promovem alterações no cérebro de seus usuários, aumentando a resposta a estímulos nos dedos.

 O fenômeno, fruto do chamado sistema somatossensorial, é similar ao já observado em atletas de elite e músicos virtuosos — como no caso do tenista que descreve a raquete como uma extensão de seu braço ou do violinista que sente o instrumento como uma parte de seu corpo. Pela primeira vez, no entanto, isso pôde ser constatado em pessoas comuns praticando atividades corriqueiras. Com isso, os cientistas esperam ter encontrado uma poderosa ferramenta para investigar mais a fundo o intrigante campo da plasticidade cerebral e como o órgão se adapta para lidar com situações do dia a dia.


— Os smartphones nos oferecem uma oportunidade para entender como a vida normal afeta os cérebros de pessoas — diz o neurocientista Arko Ghosh, pesquisador da Universidade de Zurique, na Suíça, e principal autor de artigo sobre o estudo, publicado ontem na última edição do periódico científico “Current Biology”. — À primeira vista, esta descoberta parece comparável ao que acontece com os violinistas. As tecnologias digitais que usamos diariamente estão moldando os processos sensoriais em nossos cérebros, e em uma escala que nos surpreendeu.


Atualizações frequentes do sistema

Para o estudo, os pesquisadores submeteram 37 voluntários (26 usuários de smartphones e 11 de celulares antigos), todos destros, a exames de eletroencefalografia (EEG) enquanto estimulavam com breves e leves toques o polegar, o indicador e o dedo do meio da mão direita deles. Os resultados mostraram que a atividade cerebral em resposta aos estímulos nestes dedos era mais intensa entre as pessoas que usam os smartphones.


À diferença do que acontece com os violinistas, no entanto, o experimento revelou que o período em que a pessoa usa um smartphone não afetou significativamente os resultados. A pesquisa também evidenciou uma correlação linear entre o tempo passado desde o último uso do aparelho e a intensidade da resposta cerebral, em especial no caso do polegar, que se mostrou mais sensível quanto menor este intervalo. Nas pesquisas com os músicos, o nível desta atividade se mostrou relacionada à idade com que eles começaram a tocar o instrumento e não foi influenciada pelo período passado desde a última vez que o usaram.


Segundo os pesquisadores, essas diferenças indicam que os movimentos repetidos e repetitivos sobre as telas sensíveis ao toque nos smartphones rearranjam os processos sensoriais dos estímulos vindos da mão, com atualizações frequentes da representação cerebral das pontas dos dedos. Para eles, isso leva a uma ideia notável:

— Propomos que o processamento sensorial no córtex do cérebro contemporâneo está sendo continuamente moldado pela tecnologia digital — aponta Ghosh. — Creio que primeiro devemos levar em conta o quão comum estes aparelhos digitais pessoais são e o quanto as pessoas fazem uso deles. Para nós, neurocientistas, isso significa que a história digital que carregamos em nossos bolsos tem uma enorme quantidade de informação sobre como usamos as pontas de nossos dedos e além. Fiquei realmente surpreso com a escala das mudanças introduzidas em nossos cérebros pelo uso dos smartphones e abismado com o quanto das variações interindividuais nos sinais cerebrais associados às pontas dos dedos podiam ser explicadas simplesmente pela análise do histórico de uso dos aparelhos.



Os cientistas, porém, alertam que essas constantes atualizações do sistema somatossensorial por influência da tecnologia digital podem ter seu lado negativo. É esse sistema que constrói uma imagem de nosso corpo à qual podemos assimilar elementos externos, como roupas, chapéus ou a raquete do tenista. No artigo, os pesquisadores citam outros estudos que indicaram uma associação entre extensas reorganizações do córtex somatossensorial a casos de dores crônicas nas costas, além da ligação entre o uso excessivo de smartphones a disfunções motoras.

Blog do BG, com texto extraído de O Globo

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