O Congresso americano se manifestou essa semana
criando leis que podem sustentar o princípio da neutralidade de rede
enquanto a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos Estados Unidos
segue despossuída de legitimidade para atuar sobre o tema. Enquanto
isso, cerca de 86 organizações (Reddit incluso) se uniram, escreveram
uma carta, e conseguiram mais de 1 milhão de assinaturas para uma petição que apela em defesa da neutralidade.
Para ajudar a entender melhor as dispustas sobre o tema, considerado um dos mais importantes da internet atualmente,
conversamos com o senhor Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor da
Internet e diretor do NIC.br, é uma das autoridades mais respeitadas
quando o assunto é web. Antigo defensor do princípio da neutralidade da
rede, Getschko se posiciona em relação à decisão de uma corte de
apelação americana que desautorizou a FCC a aplicar regras sobre
empresas de telecomunicações. Como resultado, o respeito à neutralidade
está suspenso no país, o que, por sua vez, gerou consequências.
Veja a entrevista:
Como entendeu a decisão da corte americana contra a FCC? Afeta o mérito da neutralidade?
Errado é olhar isso como uma derrota de neutralidade. a leitura
correta é que a corte achou que isso não é um tema da FCC, das
comunicações. Isso é um ponto a favor de que a internet está além disso.
O que eles estão dizendo é que formalmente não é a FCC que deve dizer
quem deve obedecer a neutralidade, cada um tem sua área de competência. É
uma decisão que corrobora o que o Brasil fez dizendo que a internet é
algo muito mais complexo do que telecomunicações. É fácil você colocar
neutralidade nas telecomunicações, ninguém discute isso. Mas há aspectos
econômicos, de censura, questões jurídicas que são coisas que vão muito
além de uma estrutura de telecomunicações. Como exemplo, uma coisa é
você coordenar os telefones no mundo; outra é poder ouvir as ligações. É
uma questão de política, mais do que técnica. Quebra de neutralidade
tem razões econômicas e políticas. O que aconteceu foi que a FCC tentou
se antecipar sobre a questão, mas falta legitimidade. Não dá para ser o
guardião da neutralidade. Neutralidade deve ser defendida por uma série
de instituições.
O ideal lá é que a neutralidade não fosse implementada por norma, mas por lei. Certo?
As coisas acontecem na estrutura das telecomunicações, mas acontecem
por conta de falta de legislação sobre isso. Como há necessidade de
neutralidade, isso deve ser buscado por uma legislação específica, como o
Marco Civil faz. A rede evolui de maneira espontânea, se tentarem botar
camisa de força na estrutura e impedir determinado tipo de conteúdo e
impedir o novo, como aconteceu com o VoIP, você impede o dinamismo.
A FCC tentando forçar a neutralidade das operadoras lá nos EUA é como se a Anatel tentasse o mesmo por aqui?
O paralelo, como todos, são imperfeitos. As motivações da FCC são
diversas, por aqui a Anatel pode ter outras motivações. O importante é
que no fim do dia a internet não é considerada telecomunicações. É capaz
que a FCC tenha feito isso nas melhores das intenções. No mérito, estou
de acordo com a FCC; na forma, estou de acordo com a corte, porque
neutralidade não deve ser imposta. Aqui ouvimos diversas vezes que
neutralidade deve ser decidida pela Anatel e não no Marco Civil. Isso é
um erro. A Anatel já determina neutralidade sobre velocidade, o mínimo
de 512 kpbs tem que ser respeitado. Isso basta. No mérito, ninguém
combate a neutralidade. Na forma, como disse, concordo que não deve ser a
FCC a determinar quem deve obedecer neutralidade. FCC é infraestrutura,
neutralidade de rede não é infraestrutura. Não é um regulador que deve
determinar o que vai rodar na web ou não. Não é material, é uma questão
etérea. Software não é telecomunicações, protocolo não é
telecomunicações.
Acha que a decisão americana ainda vai servir como argumento por quem é contra neutralidade?
Uma forma maliciosa de ver a decisão é dizer que “como os EUA não
consegue colocar neutralidade nas telecomunicações, eles vão perder a
neutralidade” e “nós, que somos a favor da neutralidade, gostaríamos de
implementá-la”. Seria uma forma enviesada. A gente sabe que as coisas
aqui são mais complicadas e as entidades são até mais radicais.
Como vê a decisão da FCC de tratar operadoras móveis de forma diferente das de banda larga fixa?
É sensato diferenciar a estrutura que vai da rede fixa para o mundo,
da que sai da telefonia e trafega para o aparelho celular. Wi-Fi e
estrutura fixa têm origens diferente da internet móvel. Um dos modos de
atrapalhar a neutralidade é tratar a neutralidade do mesmo modo na
estrutura física e na estrutura celular. Se tratar as duas juntas,
veremos que são infactíveis. É impossivel garantir velocidade mínima
porque varia mesmo. Agora, nas casas das pessoas é possível. Um modo de
fazer a coisa não andar é botar tudo no mesmo saco. No Brasil, não há
essa distinção. As medições que fazíamos era de banda larga fixa. No
Marco Civil não está separado, mas também, lá, é preciso deixar um tanto
genérico para não permitir ainda mais argumentos contrários.
Como vê o texto do Marco Civil atualmente? Acha que a atual redação está de acordo?
Acho que a ideia seria aprovar o Marco Civil do jeito que está,
porque ele é principiológico. E depois diferenciar seus pontos. Se
conseguimos aprovar a fundação, aí conseguiremos construir as leis sobre
o prédio. Precisamos antes aprovar os princípios básicos.
Fonte: Link Estadão
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